segunda-feira, agosto 01, 2011

Relatórios do Leituras ao Vento números 13 e 14

Com a correria em que se transformou nossa semana com o sucesso do Leituras, algum atraso acaba acontecendo. Tudo bem. Aí vai, para apreciação de nossos amigos e colaboradores, os relatórios de dois domingos que se traduziram em belas experiências do Projeto.

Projeto Leituras ao Vento

Relatório do dia 17/07/2011


         O segundo domingo seguido de um sol belíssimo. Mesmo sendo dia de jogo da Seleção Brasileira de futebol – o jogo começaria às 16:00h e já era quase 14:00h – as pessoas não pareciam estar apressadas para se recolher em casa diante da televisão: a cidade estava especialmente movimentada, as calças e shoppings cheios nessa entrada da última semana de férias escolares.

         Fomos almoçar em um restaurante do centro da cidade e aproveitamos o movimento para, pela primeira vez, fazermos alguma divulgação de rua, fora, portanto, do espaço da praça e dos locais que eventualmente freqüentamos (bibliotecas, sebo, o restaurante onde almoçamos  nos outros dias da semana). Mães passeavam pelas calçadas com seus filhos, e tivemos oportunidade de abordar duas delas: uma delas usava um óculos da moda, bem grande e de bordas arredondadas, e suas duas filhas menores usavam óculos do mesmo tipo – só que coloridos – perfazendo um conjunto simpático e divertido; a outra, também acompanhada de suas duas filhas, exibia um estilo hippie inconfundível, e vendia artesanato numa esquina da São Paulo.

Chegamos à praça às 14:45h, novamente apenas eu e Maristela, e começamos a descarregar o material e montar nosso espaço. Já enquanto descarregávamos uma leitora assídua e muito querida chegou com a família: Ana Karina Paganini. Com ela estavam o marido, a irmã, a filha e a mãe, uma senhora simpática em visita desde o distante e belo estado do Espírito Santo. A praça nunca esteve tão cheia de gente, e as pessoas foram se acercando de nosso espaço logo após chegarmos. Tivemos dificuldades para montar o espaço e ao mesmo tempo fazer a recepção. As pessoas iam passando com olhares curiosos e não queríamos deixar que passassem sem serem informadas sobre o projeto. Mesmo assim estiquei os varais rapidamente, ajudei Maristela com os livros e Ana Karina e a mãe nos ajudaram com as esteiras.

         Preocupado com o horário, deixei-as antes da montagem se completar e parti para a divulgação. Desta vez não fui tão longe nem me demorei tanto quanto em vezes anteriores. Como a praça estava cheia, foi fácil o encontro com nosso público alvo, e eu pude voltar cerca de 15 minutos depois que saí. No retorno, não encontrei apenas o público já instalado, mas também nossa amiga Hilda Carr e o nosso convidado para o “Soprando Histórias”, o Promotor Robertson Azevedo, que veio acompanhado da família.

Maristela, mais uma vez, procurava se dividir entre várias tarefas: recepcionar o nosso convidado e sua família, atender nossos visitantes, tirar fotos, passar o caderno de registros. Ajudei-a com o caderno de registros e, pouco depois, Hilda ajudou com a máquina fotográfica. Conversei um pouco com o promotor, que estava bem disposto, e em seguida fiz a chamada para o “Soprando Histórias”. Nosso espaço estava bastante cheio e as pessoas foram lentamente, a um pedido meu, juntando as esteiras próximo ao local onde estava nosso convidado. Vendo aquela pequena multidão, era possível tanto observar novos rostos quanto pessoas que vinham agora até nós com uma certa freqüência. O Projeto continua despertando curiosidade, e já vem conquistando também um público fiel.

A história contada por nosso convidado, “Os novos trajes do Imperador”, de Hans Christian Andersen, é um clássico das histórias edificantes, que, se utilizando do ambiente tradicional das cortes medievais – o monarca e seu castelo, conselheiros reais, vassalos, damas e plebeus – conduz a um ensinamento ético profundo e sempre atual: a denúncia da hipocrisia e a necessidade – para  vermos a verdade e nos libertarmos do pacto de falsidade imposto pelo medo de expormos nossas fraquezas e pelas amarras do poder – de ouvirmos o grito da consciência sufocado dentro de nós, na história simbolizado pela voz inocente de uma criança. A “suntuosa” nudez do Imperador e a reverência servil do povo é um alerta contra todos os discursos falsos que aceitamos por medo de nossa própria ignorância, contra a profusão de imagens diáfanas que nos turvam os olhos e o juízo mas que não escondem o vazio das mensagens, contra o argumento de autoridade como instância suprema de nossos julgamentos sobre o mundo real.

O promotor Robertson escolheu uma versão com belíssimas ilustrações de Silvio José Vitorino, e traduzido diretamente do dinamarquês por Tabajara Ruas. Diferente das versões condensadas e mais direcionadas a uma leitura mais ligeira pelo público infantil, esta versão mostra um texto algo rebuscado, de um ritmo mais cadenciado, minucioso e reflexivo, em que a fraude dos “costureiros” é construída calma e maquiavelicamente: a certeza dos trapaceiros de que o golpe seria bem sucedido se mostra em suas ações metódicas, induzindo repetidamente as autoridades reais e o próprio Imperador a participar da farsa.

O promotor, observando o bom público que o rodeava, optou por fazer a leitura de pé, ficando então numa boa plataforma para a sua leitura, feita em voz firme e pausada. Em dado momento, parou para explicar rapidamente uma palavra, em outro, riu de uma passagem, juntamente com o público. O público pareceu ir se acercando da história junto com o seu contador e, ao final, houve um segundo de reflexão antes das palmas. Objetivo atingido com louvor.

Convidamos duas meninas para entregar ao promotor o Certificado de Participação e o título de Leitor Amigo das crianças e adolescentes de Maringá. O promotor foi muito simpático, apertou a mão das mocinhas, sorriu e agradeceu, sempre muito aplaudido. Obrigado, do Leituras, por sua colaboração e sua presença e apoio ao nosso Projeto.

Após a apresentação, diferentemente do que vinha acontecendo, nosso espaço se esvaziou rapidamente. Ao que parece – já passava das 17:00h – as pessoas se recolheram, em toda a praça, e se dirigiram às suas casas para assistir ao segundo tempo do jogo. Ainda conversamos com a nossa convidada hippie da hora do almoço, que não só apareceu como ficou o tempo todo conosco, lendo sempre, juntamente com suas duas filhas. Seu nome, belíssimo, Elisangela, e o das filhas sonoras expressões de inspiração indiana, verdadeiros poemas em forma de nome: Flor de Lótus, de 8 anos e meio; e Mantra Púrpura, de 3 anos e meio. Esperamos que elas retornem sempre, com sua beleza e seu astral pra lá de positivo, para ficar conosco nas próximas edições do Leituras ao Vento.

Apesar das dificuldades impostas pela urgência das tarefas, o caderno de registro chegou a 40 nomes, sem contar o fato de que teve convidado que citou apenas o próprio nome e fez referência à presença da família, sem citar os nomes ou o número de integrantes. Muitas famílias presentes: a família Paganini, a família Brites, a família Santos, a família Vieira, a família Anastácio, a família Leroux, a família Matos da Silva, dentre outras. Agradecemos as manifestações de carinho e apoio registradas no caderno de registros ou dadas pessoalmente. O nosso obrigado a todos e a todas, e até o próximo Leituras ao Vento.  

Projeto Leituras ao Vento

Relatório do dia 24/07/2011


         Pela primeira vez desde seu início, o Projeto Leituras ao Vento deixa o gramado da Praça da Catedral Metropolitana de Maringá. O Projeto visitou a instituição EDUCRIANÇA, em Ivatuba, município às margens da PR-317, sentido Campo Mourão, a poucos quilômetros – cerca de 5 minutos – depois do Aeroporto de Maringá.

         A EDUCRIANÇA é uma instituição que abriga crianças e adolescentes em situação de risco, possuindo quatro unidades: Taquara, no Rio Grande do Sul; Areal, no Rio de Janeiro; Universitário, em São Paulo; e Ivatuba, no Paraná.

         A unidade de Ivatuba abriga 23 meninas – a capacidade total é de 24 – e é a mais recente, com apenas dois anos e meio de existência. É um prédio com dois pavimentos localizado em uma área ampla, com um gramado e alguns arbustos na frente. No piso inferior há uma sala de refeições grande e arejada com várias mesas, uma oficina de artes e ofícios, a cozinha e uma sala de estar, dentre outras dependências; no piso superior ficam os quartos, amplos, cada um com quatro camas e guarda-roupas grande, além de um banheiro coletivo amplo e bem equipado. Em nossa visita pudemos observar a boa qualidade da roupa de cama, de um colorido aconchegante. Cada quarto possui passagens que o interliga aos quartos vizinhos, possibilitando a livre circulação das meninas por todo o espaço.   

Embora tenhamos recebido posteriormente referências da instituição, travamos os primeiros contatos meio que por acaso. Maristela pertence ao Coral Infanto-Juvenil da Escola de Música da UEM, e foi lá que conheceu a coordenadora do EDUCRIANÇA de Ivatuba, Nelma Narciso de Brito, que participava também do Coral juntamente com nove internas da Instituição. A partir desses contatos foi acertada a visita do Projeto Leituras ao Vento e então começamos a acertar os detalhes referentes às atividades que desenvolveríamos e passamos a pensar também no nosso possível convidado para o “Soprando Histórias”. Com a intercalação das férias de julho, todos esses trâmites levaram cerca de dois meses. O nome da professora Verônica Muller veio naturalmente, e, nas últimas semanas, Hilda Carr se integrou ao planejamento do evento e, nas vésperas, também Angelita Silva, ambas importantes colaboradoras do Projeto desde suas primeiras horas.

Pensamos, desde há algum tempo, criar um diferencial de atividades para as visitas. Sabíamos que deveríamos nos organizar e agir de modo diferente da Praça, onde nosso público – e não nós – é o visitante. Era preciso pensar em algo mais direcionado e que ocupasse mais o tempo, já que criaríamos uma expectativa diferente daquela a que estávamos acostumados.

Maristela teve, a princípio, a ideia de oferecer um pequeno caderno brochura para cada uma delas, encapados em papel estampado e decorados com desenhos, como forma de não só deixar uma lembrança de nossa visita, mas induzir ao uso da escrita. Tal ideia já havia sido aplicada com as crianças de Sarandi que participam do Projeto Brincadeiras, da UEM, inclusive com a participação das crianças, que elaboraram os desenhos que serviram de decoração. No nosso caso, essa ideia evoluiu na cabeça de Maristela para o oferecimento dos cadernos como “diários”. Uma ideia maravilhosa, se pensarmos no potencial de desenvolvimento da consciência de si, da reflexão e valorização das memórias, e mais especificamente da história de vida e dos sentimentos que um diário possui.

Mas, para que esse potencial se realizasse, precisávamos, de alguma forma, evidenciá-lo. Colocar à percepção das meninas um painel de possibilidades que as estimulasse a, quem sabe, abrir um diário e entabular esse diálogo com elas mesmas. A partir daí passamos a buscar diários já escritos, reais ou fictícios, que pudéssemos mostrar a elas enquanto exemplos de vidas aparentemente comuns – ou não tão comuns – que se revelavam especiais quando se encontravam com os contornos da literatura. Saímos em busca desses exemplos, e os encontramos na ficção infanto-juvenil e juvenil – “Diário de um banana”, autor e ilustrador Jeff Kinney, editora Vergara & Riba; “Pequeno diário otário”, autor e ilustrador Jim Benton, editora Fundamento; “O diário de Lúcia Helena”, autor Álvaro Cardoso Gomes, ilustrador Paulo Leite, editora FTD – e na não-ficção – “O diário de Zlata”, autora Zlata Filipovic, Ilustrador Hélio de Almeida, Editora Companhia das Letras; “O diário de Anne Frank”, autora Anne Frank, Editora Best Seller.

Na semana anterior à da nossa visita decidimos que haveria um momento, posterior ao “Soprando Histórias”, em que apresentaríamos um diário de não-ficção para as meninas, uma história que mostrasse a elas o espírito de resistência e a vontade de viver e ser feliz de uma menina como elas. Me coloquei então esta tarefa, e escolhi, pela simples atração que eu tinha pelas memórias e pela personalidade de Anne Frank, o seu diário. Eu tinha poucos dias para trabalhar um diário de 378 páginas, mesmo assim li rapidamente, mas com atenção, selecionei várias passagens sobre seu tempo de escola, seu relacionamento com a mãe e a irmã, sua vida no anexo secreto e suas relações e impressões das pessoas que lá viviam, seu amor pelo menino Peter e suas opiniões sobre o espírito humano e sobre a guerra. Hora e meia antes de nossa partida eu terminei a seleção final dos trechos a serem lidos para as meninas. Contudo, apenas estimei o tempo que levaria para fazer minha apresentação, já que não houve tempo hábil para montar um esquema geral que levasse em conta esse tempo.

Compramos material para encapar os cadernos e adquirimos plásticos e fitas para fazer saquinhos de presente para acondicioná-los. Maristela, Hilda e Angelita se deram o trabalho de montar esses presentes, trabalho que só foi concluído na véspera.

Maristela teve ainda outra ideia: a de oferecer poesia como presente, montando poemas em saquinhos de presente a serem oferecidos individualmente às meninas para que elas pudessem usá-lo como abertura de seus diários, e desta ideia surgiu outra, de Hilda: a de oferecer a elas também um momento de leitura de poesia. Assim Maristela e Hilda, e depois Angelita, se puseram a procurar livros infantis e juvenis contendo poesia, e mesmo páginas da Internet com poetas famosos, para posteriormente selecionar poemas, que eram então copiados ou digitados e por fim impressos. Com os poemas impressos eram feitos pequenos rolinhos amarrados com fitas coloridas, que foram colocados em um recipiente para serem retirados como poemas-surpresa pelas meninas. Quando chegamos a Ivatuba ainda havia poemas para serem transformados em rolinhos, o que foi feito no espaço de tempo antes do “Soprando Histórias”.

Mais uma ideia – e não foram tantas? - de Maristela: trabalhar criticamente o estereótipo da imagem das princesas nos contos de fadas, que mostra as princesas sempre como moças magras, brancas, esguias e belas, e colocar a possibilidade de, usando esse mesmo mundo da imaginação dos contos de fadas, imaginar as princesas como partícipes, em imagem, de uma rica diversidade, criando uma ponte com a própria diversidade do real. Em outras palavras: por que não princesas pequeníssimas, gordas, dorminhocas, analfabetas, leitoras, desconjuntadas, feias? Seriam elas menos princesas do que as outras? Ou possuiriam uma nobreza, dignidade e confiança da qual todas as mocinhas do mundo poderiam partilhar? Seriam essa nobreza, dignidade e confiança as fontes da verdadeira beleza? O livro escolhido para isso foi “Princesas esquecidas ou desconhecidas” – autor Philippe Lechermeier, ilustradora Rébecca Dautremer, editora Moderna. Um livro em formato grande, com acabamento impecável, de um tom vermelho intenso, com um texto entre o bizarro e o enigmático e ilustrações que são delicadas obras de arte. Nele, princesas nada convencionais desfilam sua esquisitice e exotismo, e também uma estranha – mas legítima – aura de nobreza. Acompanha o livro um diário, o “Diário secreto da princesa”, para que sua dona-princesa possa gravar ali sua história e suas reflexões.   

A professora Verônica Muller confirmou o livro escolhido para a leitura no “Soprando Histórias” dias antes de nossa visita. A escolha recaiu sobre um conto presente no livro de Ruth Rocha “Mulheres de Coragem” – ilustrações de Cláudia Scatamacchia, editora FTD – “A lenda da moça guerreira”. No conto, uma princesa espanhola veste-se como homem para lutar na guerra e honrar seu pai, que não teve a ventura de gerar um varão. Lutando com bravura ao lado de um príncipe aliado, torna-se seu grande amigo, mas deixa-se revelar pelo olhar, que apaixona o príncipe. Antes que o príncipe possa, utilizando-se de vários estratagemas, confirmar suas suspeitas, a princesa retorna a casa do pai. Como o príncipe adoece devido a um ferimento de batalha, a princesa corre a reencontrá-lo e revela-se, permitindo a recuperação do príncipe e o desfecho feliz. Lealdade, honra, bravura e romance marcam essa delicada história centrada em uma mulher que se oculta e se revela, se mortifica na renúncia e se liberta pelo amor.

Ficou, assim, nossa visita organizada em torno do eixo memória-reflexão, tendo as histórias de superação e coragem de personagens mulheres reais e fictícias como elementos que organizam esse eixo, apontando para o valor das memórias como afirmadoras da identidade e da personalidade, dentro de uma postura de reflexão que nos convida a uma visão positiva de nosso passado, como fonte das experiências – boas e ruins – que constroem nossa dignidade e nos preparam para as adversidades da vida.

Nossa viagem começou às 13:30h do domingo, quando, em frente à biblioteca da UEM, reunimos toda a equipe: eu, Maristela, Hilda, Angelita e a professora Verônica. O trajeto foi tranqüilo, e a sede do EDUCRIANÇA Ivatuba se revelou ser bem mais próxima do que pensávamos. No primeiro trevo após a entrada do Aeroporto de Maringá, sentido Campo Mourão, a Kombi da instituição já nos esperava conforme o combinado. Nela estavam Nelma e algumas crianças, que nos olhavam curiosas e alegres. Acompanhamos a Kombi com nosso carro por uma estradinha margeada por um milharal, e cinco minutos depois já havíamos chegado. O trajeto todo, da UEM até a instituição, durou pouco mais de vinte minutos. Encostamos o carro no pátio interno e recebemos as boas-vindas de algumas das meninas.

Logo na chegada descobrimos dois problemas: na pressa, a professora Verônica se esqueceu de apanhar na panificadora a encomenda de suspiros que ofereceria para as meninas, e nós esquecemos o livro de Ricardo Azevedo, “Dezenove poemas desengonçados” – ilustrações de Ricardo Azevedo, editora Ática – dentro do qual estavam alguns poemas digitados a serem usados em leitura compartilhada pelas meninas. Angelita se ofereceu para buscar, e, como era cedo para o “Soprando Histórias” – marcado desta vez para as 15:00h – e faríamos ainda a montagem do espaço do Leituras, concordamos.

Enquanto Angelita saía com o nosso carro para a sua tarefa, começamos a montar o espaço, esticando os varais e estendendo as esteiras, posicionando os baús e pendurando o nosso banner. As meninas nos ajudaram nessa tarefa, e já começaram, quase imediatamente, a observar e se interessar pelo acervo. Terminado o trabalho de montagem as meninas já se apossaram das esteiras e foram buscando suas leituras nos varais e baús. Num instante a maioria delas já estava acomodada, formando uma pequena multidão de leitoras alegres sobre as esteiras, cercadas e encimadas por livros ao alcance de suas mãos ávidas.
Ficamos surpresos e contentes com o conhecimento demonstrado por elas, que já conheciam vários de nossos títulos, por terem lido ou por ouvir falar. Liam em voz alta algumas delas, para compartilhar com o seu grupo ou simplesmente para mostrar satisfação. Duas delas escolheram livros de adivinhas e trava-línguas, e assim, entre proposições e gargalhadas, começaram a interagir conosco. Uma das menores começou a ler um livro para a professora Verônica, com atenção e cuidado. Tiramos belas fotos de meninas emaranhadas usando umas às outras como travesseiros, recostadas nas almofadas, ou mais afastadas, encolhidas na introspecção da leitura à sombra dos arbustos. Oferecemos livros para todos os presentes, adultos e crianças, e criamos um momento gostoso e inesquecível do Projeto: nunca a leitura foi encarada com tamanha alegria e satisfação, num clima lúdico. A professora Verônica trouxe uma filmadora, e registramos também em vídeo vários flagrantes dessa interação.

Com a chegada de Angelita começou a expectativa para o “Soprando Histórias”. Ainda esperamos cerca de meia hora a pedidos: um grupo de moças lidava na cozinha fazendo pipoca, e pediram para esperar por elas, que queriam ouvir a história. Vencida essa etapa avisamos a professora e fizemos as apresentações. A leitura começou aproximadamente às 15:45h.

A leitura feita pela professora Verônica foi um espetáculo a parte: sua voz mansa e pausada fluía num ritmo que capturava fortemente a atenção e curiosidade dos presentes, e a belíssima história por ela escolhida, contada de uma maneira tão doce, induziu uma empatia imediata com aquela princesa leal, guerreira e apaixonada, aumentando a expectativa com o desfecho. Um silêncio de comovente satisfação acompanhou o final da história, antes dos inevitáveis e merecidíssimos aplausos.

Entregamos á professora, pelas mãos de duas das meninas, o Certificado de Participação e o Título de “Amigo Leitor das crianças e adolescentes de Maringá”, agora acrescido da expressão “e região”. Também entregamos esse Título a Nelma, por sua colaboração com o evento, que, esperamos, tenha contribuído para reforçar um pouquinho mais o gosto pela leitura já manifestado pelas meninas.

Após a leitura da professora demos início ao nosso segundo momento: a leitura e comentários de trechos do Diário de Anne Frank, efetuados por mim. Creio que me demorei cerca de dez minutos a mais que a apresentação anterior, o que acabou dificultando um pouco a que elas mantivessem a atenção – que, no entanto, manteve-se num nível muito bom. Apresentei detalhes da vida de Anne, de sua vida cheia de sobressaltos, dificuldades e esperanças no Anexo Secreto e de seu relacionamento com o menino Peter. Omiti partes antes selecionadas, como as que faziam referência ao relacionamento com a família e os demais e as que revelavam suas reflexões sobre a guerra e o ser humano. Mesmo assim houve alguma preocupação dos membros da equipe quanto ao tempo, e eu procurei encerrar com uma reflexão otimista de Anne, no momento de sua plena maturidade nos dois anos de esconderijo. Maristela pediu e eu acrescentei informações sobre o destino final de Anne e sua morte.

Após a minha apresentação chegou a vez de Maristela, que apresentou o livro “Princesas esquecidas ou desconhecidas”. As moças se divertiram com aquelas princesas esquisitas, e admiraram o Diário Secreto da Princesa. Maristela então apresentou o “Diário de Lúcia Helena” e leu trechos hilários do “Querido Diário Otário”, em que a protagonista, ao apresentar seu Diário, alertava os possíveis leitores não autorizados das “conseqüências” de seus atos – incluindo seus próprios pais! Risos a parte, foi interessante enfatizar o lado pessoal, a “posse inalienável” de nossas próprias memórias, submetidas à nossa própria noção de verdade e à versão que nos convier dar a elas. Memórias-segredo tratadas ao mesmo tempo com seriedade, veneração e humor, submissas, mas ao mesmo tempo base, de nossa personalidade.

Após a apresentação, por mim e por Maristela, desses relatos, nossos diários-presentes foram distribuídos. Houve uma grande alegria com o recebimento desse mimo, na verdade um convite nosso ao diálogo reflexivo de cada uma delas com suas memórias e sonhos. Enquanto umas permaneciam com o diário nos braços, outras subiram imediatamente para os quartos e foram guardá-los.

Em seguida, Hilda iniciou seu momento, distribuindo os poemas, em A4, para serem lidos em voz alta e compartilhados com os presentes. Foi um momento belíssimo. Elas leram com desenvoltura, levantando-se das esteiras ou lendo de seus lugares, e as que sentiam dificuldades não hesitavam em pedir ajuda às companheiras. Três foram os poemas escolhidos para essa leitura: Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, Saudade, Amor e Felicidade, de Ricardo Azevedo e Leilão de Jardim, de Cecília Meireles. Depois, outros poemas, escritos em rolinhos e decorados com fitas coloridas, foram oferecidos a elas em um recipiente transparente, sendo retirados um a um, como poemas-surpresa. Uma observação: por conta da preocupação com o tempo, houve uma mudança de planos quanto à atividade desenvolvida por Hilda. A princípio Hilda havia pensado numa dinâmica em que trechos dos poemas seriam divididos em três grupos grandes de meninas, que os montariam livremente em conjunto, abrindo possibilidades de configurações diferentes – e igualmente válidas do ponto de vista da composição de sentido da poesia – dos três poemas originais, que seriam depois apresentadas por elas e confrontadas aos poemas originais. Uma ideia excelente que infelizmente não realizamos.

Depois da última apresentação foram distribuídos a pipoca, o refrigerante e os suspiros. Essa confraternização coroou de alegria e satisfação a nossa tarde, e colocou já uma pontinha de saudade e expectativa quanto a um encontro futuro.

Não podemos deixar de registrar a postura da professora Verônica, sempre se curvando para olhar as meninas nos olhos, com um sorriso que conquistava uma confiança e uma cumplicidade que denotavam uma habilidade que só pode ser traduzida como um talento raro para a amorosidade. 

Avaliamos nossa visita como um grande sucesso do Projeto, seguramente o maior deles até agora, fruto de um planejamento cuidadoso e da dedicação de cinco pessoas que mostraram ser uma verdadeira equipe.

Contudo, longe de nos entregar à euforia, nosso sucesso nos convida a um olhar mais atento aos nossos erros e deficiências, na busca do aprimoramento e da consolidação de um padrão de qualidade condizente com as exigências e necessidades de nosso público, que é nossa razão de existir.

O que em primeiro lugar salta aos olhos foi o tempo que nos faltou para transformar nosso planejamento – a nosso ver bem feito e estruturado – em um quadro escrito, em que estivesse registrado não apenas a seqüência das atividades, mas o tempo previsto para cada uma delas. Para que isso acontecesse seria necessário ainda um momento anterior, de simulação das diversas apresentações para que construíssemos uma ideia mais exata desse tempo necessário.

Em segundo lugar, devemos ter mais empenho num ponto: embora a preocupação com o tempo seja válida e necessária, e os cortes por vezes inevitáveis, devemos nos esforçar mais e defender com unhas e dentes a integridade dos vários momentos previstos, para não nos arriscarmos – o que felizmente não aconteceu – a mutilar nossas apresentações e prejudicar nossos objetivos com mudanças bruscas de planos.

Terceiro problema, também relacionado com o tempo: ao terminar todas as atividades, com alguma correria e precipitação no final, olhei para o relógio do celular: ainda eram 16:30h! Tive a certeza, naquele momento, que apressamos as apresentações de Maristela e Hilda sem necessidade: havíamos nos programado para terminar as atividades às 17:15h; estávamos, portanto, 45 minutos adiantados!

Finalmente, um erro de avaliação em relação ao nosso público, também em função do tempo: não podemos supor, de antemão, que o fato de algumas meninas se levantarem significa uma dispersão comprometedora para a continuidade das atividades. Precisamos acreditar no potencial de nossas apresentações para prender a atenção dos presentes. E aceitar que haverá diferenças de ânimo na platéia que são impossíveis – ou pelo menos muito difíceis – de contentar.

Um acerto digno de nota: houve alguma hesitação, ao chegarmos, quanto à necessidade de Angelita voltar a Maringá para buscar o que foi esquecido. Acertamos na nossa decisão de enviá-la para essa missão – que ela tomou para si com empolgação, diga-se de passagem. Isso porque o que foi esquecido era essencial: essencial ao momento desenvolvido por Hilda – a leitura dos poemas – e ao momento da confraternização. A poesia e a amorosidade fazem parte do Projeto. E sempre farão.
           
Queremos aqui registrar a presença e participação de Eliana Daniela Célia, pedagoga do EDUCRIANÇA, pessoa muito simpática e uma das responsáveis pelo cuidado na formação de leitura e pela alegria que observamos naquelas meninas. Esperamos interagir mais com essa moça num futuro próximo.

Obrigado a Nelma por nos receber e por coordenar com carinho maternal essa instituição, tornando-a um lar verdadeiro.

                            
A todas as meninas um caloroso abraço do Leituras ao Vento e até a próxima oportunidade.                  

 

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