sexta-feira, maio 13, 2011

Projeto Leituras ao Vento Relatório 6

Projeto Leituras ao Vento

Relatório do dia 08/05/2011

Isso mesmo! E o Leituras aportou na praça da Catedral em pleno dia das mães!
Depois dos felizes trâmites familiares de praxe – eu e Adah festamos com Maristela pela manhã e à tarde, almoçamos fora, Maristela ligou para a mãe e a avó, em Rondônia – colocamos o material no carro e fomos para a praça.
Encontramos a praça, compreensivelmente, pouco movimentada, e nossos amigos de sempre não estavam lá – na certa fazendo com suas mamães o que eu e Adah fizemos com Maristela.
Mas não desanimamos. Pelo contrário, pensamos o Leituras daquele dia como uma forma alegre e solidária de colori-lo ainda mais, de terminarmos de relaxar com um gostinho de fazê-lo com o próximo.
Mas a solidariedade começou não do nosso lado, mas do lado do público. O vendedor de doces – Maristela preferiu classificá-lo como um pipoqueiro que vendia de tudo, menos pipoca – se ofereceu para ajudar-nos a colocar o banner do Leituras. Bem, ele era um senhor de uns cinqüenta anos – talvez mais – baixo, magro, de compleição física frágil e que parecia ter algum tipo de limitação ou dificuldade de movimento. Mas nada o demoveu da idéia de ajudar-nos!
A idéia, como sempre, era amarrar um barbante a uma altura de pouco mais de dois metros, em uma das árvores que usamos costumeiramente como suporte para nossos varais. Então usar o barbante como suporte para pendurar o banner. Então, tudo bem. Simples, não? Não, se parece quase impossível para pobres amantes da leitura como nós amarrar o tal barbante em torno da árvore sem deixá-lo frouxo. O nosso solidário vendedor de doces partilhou desse dilema torturante conosco, pedia insistentemente a ajuda da Adah com o rolo de barbante, aceitou uma banqueta para se aproximar mais da altura onde o barbante seria atado, arrebentou com as mãos dois pedaços de barbante, ambos de tamanho insuficiente, até que aceitou minha sugestão de envolver a árvore primeiro para depois arrebentar. Deu idéias e mais idéias e partilhou do resultado das nossas, todas um retumbante fracasso!
Mas eis que uma mulher, mais uma vez, salva o dia – ou à tarde. Maristela nos sugere que joguemos o rolinho de barbante na bifurcação do tronco da árvore, uns três metros acima, ao invés de tentarmos envolvê-lo. Estaria assim resolvido o problema do afrouxamento e da dificuldade em atarmos o barbante à árvore tentando inutilmente fazê-lo na horizontal. Jogando o barbante pela bifurcação, era como colocar um “colar” de barbante na árvore. Então era só fechar o colar com um nó e pendurar o banner como um pingente.
Depois dessa solução feminina e elegante é claro que deu certo. O vendedor de doces voltou para o seu carrinho satisfeito e colocando-se à disposição, como um legítimo cavalheiro; e nós pudemos terminar de nos instalar, estendendo o varal de nylon de uma árvore a outra. E Maristela ainda brindou-nos com outra idéia: para facilitar a instalação dos varais nós os estendemos em “V”, não precisando assim desatar o fio azul do branco, guardados atados desde a semana anterior. Economizamos, desta forma, tempo e alguns nós chatos, já que tudo ficou atado em uma única árvore.
Depois de toda essa odisséia técnica, colocamos os livros em exposição, ajeitamos os bauzinhos em locais estratégicos para serem notados e explorados pelas crianças e estendemos as esteiras. Então eu saí pelo parque para fazer nossa já tradicional propaganda boca a boca.
Poucos grupos se espalhavam pelo parque: grupos de adolescentes, pais jogando bola com seus filhos, uma vovó passeando com a netinha, um grupo jogando um vôlei bem animado, dentre outros. Comecei priorizando os grupos mais próximos e depois os que eu conseguia notar alguma criança. Fui um pouco mais longe e demorei um pouco mais do que o costume. Quando retornei, a surpresa: todas as esteiras estavam ocupadas! Para um dia que julgávamos que seria de poucos freqüentadores, foi bem gratificante perceber mais uma vez que precisamos de mais esteiras.
Como era de se esperar, foi um dia de mamães lendo para os filhos, alguns bem pequenos. Um intimismo tocante unia meninos e meninas pequeninos, animados com seus livros coloridos, apanhados no varal na desenvoltura de seus passos aprendizes, com suas mães, sorridentes, contando as histórias e mostrando as ilustrações como se mostrassem os personagens-bichos coloridos por uma janela. Sorrisos leves e olhares ternos davam ao conjunto um clima de felicidade.
Percebemos que as pessoas pegaram o espírito da coisa: usavam as esteiras com mais desenvoltura. Um pai e seu pequenino pediram para arrastar uma até um ponto além da área que ocupávamos. Uma mãe com suas duas meninas fez o mesmo.
Uma menina de uns dois anos de idade chegou com a atenção voltada para o livro de Clarice Lispector, “A vida íntima de Laura”, dizendo à mãe que queria ver o “có-có”, apontando a ilustração da capa, que mostrava algumas galinhas – o livro de Clarice, na verdade uma crítica bem humorada às donas-de-casa e mulheres comuns dos anos 70 e de todos os tempos, apóia sua história no cotidiano de uma galinha, cinza como todas as galinhas do terreiro onde mora. A mãe parou, animada para lhe mostrar o livro. Disse-nos que o gosto pela leitura não era comum no irmão e no primo, e que talvez com ela fosse diferente, tal o interesse demonstrado pela menina – mas contrariando o que disse a mãe, os dois meninos ficaram longo tempo em uma das esteiras, lendo gibis.
Um episódio da persistência de uma criança quando se enamora dos livros: uma menina de uns três anos de idade chegou, acompanhada de toda a família – pelo que vimos provavelmente os avós, pai e mãe e alguns tios. A menina se interessou bastante pelos livros, e a mãe ficou durante algum tempo lendo para ela.
Um senhor idoso, provavelmente o avô da menina, se instalou em nossa cadeira de praia, encostado a uma árvore, com o livro “Quatro amigos”, de Tatiana Belinky, e o leu inteiro, em voz alta, ali com seus botões. Terminou a leitura, se levantou e comentou com Adah sobre a qualidade do livro, que, disse, era “muito legal”.
Mas a nota interessante veio quando a mãe resolveu ir embora. A menina reiteradas vezes se recusou, e abria o livro fingindo concentração, como uma forma elegante de dizer que queria ficar. Até que a mãe, já alguns metros longe com o restante do grupo, lançou um ultimato à menina, dizendo que estava indo embora. A pequenina não teve dúvidas: apanhou um livro, foi até a esteira e deitou-se de costas displicentemente, com um joelho flexionado e a outra perna jogada sobre o joelho, o livro erguido e aberto sobre o rosto, numa elegantíssima pose de leitura que não deixou de arrancar risos dos presentes. A própria mãe e o pai não se contiveram. Eu, é claro, aproveitei para tirar umas fotos, e o pinguinho de gente fez questão de me olhar em pose, agora até incentivada pela mãe.
Por volta de 16:40h todos os nossos visitantes já haviam se dispersado. Não que tivessem ficado pouco: ali permaneceram por mais de uma hora. A diferença é que, em eventos anteriores houve um rodízio maior dos grupos, enquanto desta vez os grupos chegaram mais ou menos ao mesmo tempo, logo no início, e permaneceram mais tempo, provavelmente devido às poucas opções que a praça oferecia naquele dia das mães. Pensamos em recolher o material às 17:00h, mas daí veio a segunda surpresa do dia: novos visitantes começaram a chegar dez minutos depois, e continuaram chegando até às 17:30h.
Os primeiros a chegar foram duas moças, acompanhadas de três crianças, duas meninas loiras e um menino de cabelos pretos. Uma das moças era de Terra Boa, aqui mesmo no Paraná, e estava em Maringá visitando a outra moça. As crianças se ocuparam com a leitura o tempo todo.
Um momento interessante: perto dali um pai, acompanhado do filho, tentava empinar uma grande e linda pipa vermelha. Adah pegou a câmera fotográfica e foi, acompanhada do menino de cabelos pretos, registrar o belo brinquedo que o pai procurava alçar ao céu azul que que inundava de luz aquele final de tarde. Adah tirou uma belíssima foto em panorâmica. Logo depois a pipa se enganchou em um galho baixo de uma das árvores da praça. O pai teve alguma dificuldade para, aos puxões, retirar a pipa do galho que a retinha, ao que parece, sem graves conseqüências para o brinquedo.    
Nessa segunda leva algumas surpresas positivas aconteceram: primeiro, houve a volta de nosso primeiro leitor, aquele que descrevemos aqui no nosso primeiro relatório, que havia se encantado com o número especial do Homem-Aranha em que este aparece ao lado do presidente americano Barack Obama, e que se divertiu com as revistas do bárbaro Groo, de Sérgio Aragonés. O nosso amigo apareceu procurando essas mesmas revistas. Nós não havíamos trazido o Homem-Aranha, mas consegui localizar dois números do Groo, e lhe repassei um. Ele deu uma olhada por alguns minutos e me devolveu, afirmando que não estava muito disposto a ler naquele dia, devido a... alguma coisa que havia ingerido. Ele ainda ficou ali, sentado, acompanhando com os olhos o movimento e tecendo algumas considerações.
Segundo, uma senhora catadora de papéis chegou com alguma bagagem e, depois de conseguir um pouco de refrigerante e uma maçã com alguns presentes, se instalou perto de uma das árvores que servia de suporte aos nossos varais. Colocou ali seu lençol, acomodou suas coisas num cantinho, incluindo uma garrafa d’água e a garrafa de refrigerante estrategicamente colocados para garantir que a sede não atrapalhasse o seu conforto e se dirigiu à Maristela para pedir um livro. Maristela disponibilizou-lhe um livro e ela foi se sentar em seu canto. Pouco depois devolveu o livro ao varal e pegou outro, uma versão em espanhol de “Cachinhos Dourados”, e ficou folheando, curiosa com os “pop-pups”. Finalmente, pegou um exemplar do “Muito Capeta”, de Angela Lago, e ficou com ele por cerca de meia-hora, agora deitada de bruços confortavelmente, com o livro á sua frente. Nossa visitante, talvez preocupada com a poeira que suas roupas se impregnaram com seu trabalho do dia, não se utilizou de nossas esteiras, e se manteve à parte, silenciosa em sua leitura. Em certa altura um amigo seu veio chamar-lhe, ela se levantou, devolveu o livro, recolheu suas coisas, despediu-se com um sorriso e se foi. Maravilhoso.
Depois deste episódio recolhemos o material e encerramos já próximo das 18:00h, na mais longa permanência nossa na praça até aqui. Um longo dia cheio de surpresas nessa nossa experiência pública de leitura, suave como o vento a bater nas folhas das árvores.

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